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Literatura Moçambicana

Lista de 27 exercícios de Literatura com gabarito sobre o tema Literatura Moçambicana com questões de Vestibulares.


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01. (ITA 2024) A respeito do livro Nós matamos o cão tinhoso, de Luís Bernardo Honwana, assinale a alternativa INCORRETA.

  1. A perspectiva infantil, como no conto que dá título ao livro, acaba por destacar as contradições e tensões sociais produzidas pelo colonialismo.
  2. Em todos os contos do livro, a violência do racismo, seja qual for a sua natureza, é denunciada.
  3. O silenciamento, como em “A velhota”, pode ser interpretado como uma estratégia de sobrevivência, preservação da humanidade e cuidado com os outros.
  4. O uso de termos do idioma ronga é uma das características linguísticas do livro.
  5. No livro, não há questionamentos quanto às estruturas sociais do poder colonizador, apenas quanto aos aspectos culturais do colonialismo.

Resposta: E

Resolução:

02. (ITA 2024) A respeito de Nós matamos o cão tinhoso, de Luís Bernardo Honwana, assinale a alternativa CORRETA.

  1. A crítica ao colonialismo é circunscrita às mulheres, como em “Dina”.
  2. O vocabulário com termos do idioma ronga é uma forma de inscrever, na própria linguagem, o sucesso humanitário do colonialismo português.
  3. O uso de termos do idioma ronga é uma forma de inscrever, na própria linguagem, o desprezo para com a cultura local por parte do escritor.
  4. Marcas de oralidade e vocabulário, a despeito da ocupação portuguesa, sugerem uma identidade cultural autônoma e forte.
  5. Uma das características que as personagens apresentam é o elitismo introjetado pelos povos colonizados, como em “Nhinguitimo”.

Resposta: D

Resolução:

03. (UFU) O romance Terra Sonâmbula, de Mia Couto, é uma das mais importantes obras da literatura moçambicana após a independência do país.

Sobre a elaboração dessa trama narrativa, assinale a alternativa INCORRETA.

  1. Mesmo em se tratando de uma guerra, a obra não apresenta tom épico, pois não há ênfase nas cenas de batalha, estando o foco nos efeitos devastadores da guerra.
  2. O romance se compõe de múltiplas narrativas que se cruzam na obra; o próprio ato de narrar aparece como essencial ao ato de permanecer vivo.
  3. A combinação entre a tradição oral moçambicana e a tradição literária, de origem europeia, ocorre sempre de modo tenso, mostrando a distância entre elas.
  4. A obra pode ser vista como narrativa de viagem, porém, em vários momentos, o deslocamento experimentado é mais temporal e psicológico do que espacial.

Resposta: C

Resolução:

04. (UFU) O excerto abaixo, retirado da obra Terra sonâmbula de Mia Couto, é a reprodução do diálogo entre Kindzu e Surendra.

Antoninho, o ajudante, escutava com absurdez. Para ele eu era um traidor da raça, negro fugido das tradições africanas. Passou por entre nós dois, desdelicado provocador, só para mostrar seus desdéns. No passeio, gargalhou-se alto e mau som. Me vieram à lembrança as hienas. Surendra disse, então:

– Não gosto de pretos, Kindzu.

– Como? Então gosta de quem? Dos brancos?

– Também não.

– Já sei: gosta de indianos, gosta da sua raça.

– Não. Eu gosto de homens que não têm raça. É por isso que eu gosto de si, Kindzu.

COUTO, Mia. Terra sonâmbula, São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 15.

Com base no diálogo transcrito e no enredo do romance, é correto afirmar que

  1. a conversa ocorre ainda no início da guerra quando Kindzu havia impedido a destruição da loja do indiano por parte de alguns negros moçambicanos.
  2. o romance mostra como o racismo que atravessa a sociedade moçambicana, devastada pelas guerras, é consequência imediata da colonização portuguesa.
  3. o romance pretende apresentar os dilemas que geraram os conflitos entre negros e indianos, povos de etnias distintas que lutam pelo território moçambicano.
  4. a fala de Surendra revela um desejo radical de convívio harmônico entre os diferentes, capaz de superar noções de identidade baseadas só na raça.

Resposta: D

Resolução:

05. (Unicamp 2023) Conheço um povo sem poligamia: o povo macua. Este povo deixou as suas raízes e apoligamou-se por influência da religião. Islamizou-se. (...) Conheço um povo de tradição poligâmica: o meu, do sul do meu país. Inspirado no papa, nos padres e nos santos, disse não à poligamia.

Cristianizou-se. Jurou deixar os costumes bárbaros de casar com muitas mulheres para tornar-se monógamo ou celibatário. (...) Um dia dizem não aos costumes, sim ao cristianismo e à lei. No momento seguinte, dizem não onde disseram sim, ou sim onde disseram não.

(CHIZIANE, Paulina. Niketche. Uma história de poligamia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 92.)

Baseando-se no excerto e na leitura da obra, é correto afirmar que

  1. a organização familiar é fruto da vida religiosa dos povos, cabendo assim a monogamia aos povos cristãos e a poligamia aos povos islâmicos.
  2. os costumes culturais no modo de organizar os arranjos familiares são colocados em xeque por novas estruturas de poder, as quais transmitem outros valores.
  3. a monogamia aparece como evolução natural aos costumes supostamente bárbaros de os homens se casarem com muitas mulheres em determinadas culturas africanas.
  4. o povo macua tornou-se monogâmico depois de abraçar a fé cristã trazida pelo papa e padres, o que pode ser considerado um aprimoramento social.

Resposta: B

Resolução:

06. (UEL) Leia o texto a seguir, que contém o início do conto “A menina do futuro torcido”, incluído em Vozes anoitecidas, de Mia Couto

Joseldo Bastante, mecânico da pequena vila, punha nos ouvidos a solução da sua vida. Viajante que passava, carro que parava, ele aproximava e capturava as conversas. Foi assim que chegou de ouvir um destino para sua filha mais velha, Filomeninha. Durante toda uma semana, chegavam da cidade notícias de um jovem que fazia sucesso virando e revirando o corpo, igual uma cobra. O rapaz tinha sido contratado por um empresário para exibir suas habilidades, confundir o trás para a frente. Percorria as terras e o povo corria para lhe ver. Assim, o jovem ganhou dinheiro até encher caixas, malas e panelas. Só devido das dobragens e enrolamentos da espinha e seus anexos. O contorcionista era citado e recitado pelos camionistas e cada um aumentava uma volta nas vantagens elásticas do rapaz. Chegaram mesmo a dizer que, numa exibição, ele se amarrou no próprio corpo como se fosse um cinto. Foi preciso o empresário ajudar para desatar o nó; não fosse isso, ainda hoje o rapaz estaria cintado.

COUTO, Mia. Vozes anoitecidas. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 127.

Quanto ao destino de Filomeninha, assinale a alternativa correta.

  1. Ela treina muito à espera do empresário, mas este, ao chegar à vila, a recusa, já desinteressado pelo contorcionismo.
  2. Ela é iludida pelo empresário e abandona a vila com ele, sem corresponder às expectativas do pai.
  3. Ela se apaixona pelo contorcionista e abandona a vila, sem dar explicações à família.
  4. Ela ingressa no mundo do espetáculo com o contorcionista e garante muito dinheiro à família.
  5. Ela é acolhida pelo empresário, mas, no dia da estreia de seu espetáculo, morre devido ao treinamento exaustivo.

Resposta: A

Resolução:

07. (UEL) Leia o texto a seguir, que contém o início do conto “A menina do futuro torcido”, incluído em Vozes anoitecidas, de Mia Couto

Joseldo Bastante, mecânico da pequena vila, punha nos ouvidos a solução da sua vida. Viajante que passava, carro que parava, ele aproximava e capturava as conversas. Foi assim que chegou de ouvir um destino para sua filha mais velha, Filomeninha. Durante toda uma semana, chegavam da cidade notícias de um jovem que fazia sucesso virando e revirando o corpo, igual uma cobra. O rapaz tinha sido contratado por um empresário para exibir suas habilidades, confundir o trás para a frente. Percorria as terras e o povo corria para lhe ver. Assim, o jovem ganhou dinheiro até encher caixas, malas e panelas. Só devido das dobragens e enrolamentos da espinha e seus anexos. O contorcionista era citado e recitado pelos camionistas e cada um aumentava uma volta nas vantagens elásticas do rapaz. Chegaram mesmo a dizer que, numa exibição, ele se amarrou no próprio corpo como se fosse um cinto. Foi preciso o empresário ajudar para desatar o nó; não fosse isso, ainda hoje o rapaz estaria cintado.

COUTO, Mia. Vozes anoitecidas. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 127.

O trecho contém uma frase significativa tanto para este conto quanto para outros contos do livro: “O rapaz tinha sido contratado por um empresário para exibir suas habilidades, confundir o trás para a frente.”.

Sobre a relação desse trecho com os outros contos do livro, assinale a alternativa correta.

  1. O que se percebe tanto nesse conto quanto em outros contos do livro é um conjunto muito farto de habilidades extraordinárias nas personagens que as conduz à superação de adversidades.
  2. A imagem do contorcionista e de seus movimentos corporais inusitados é representativa dos esforços de diversas personagens dos contos do livro que convivem com a miséria e com a ignorância.
  3. Um traço comum entre esse conto e outros contos do livro é a circulação de empresários por espaços muito pobres, o que provoca o progresso tanto dos lugares quanto das personagens que ali vivem.
  4. A questão central da frase é a ideia de confusão, que, nesse conto, se exemplifica pelo fato de Joseldo ter compreendido mal as notícias, uma vez que as histórias sobre o contorcionista eram falsas.
  5. As inversões do tempo constituem aspecto relevante desse conto e de outros do livro, pois a sequência dos eventos narrados sofre sistematicamente a interferência dos desvarios das personagens.

Resposta: B

Resolução:

08. (UNEMAT) “Estou sentado junto da janela olhando a chuva que cai há três dias. Que saudade me fazia o molhado tintintinar do chuvisco. A terra perfumegante semelha a mulher em véspera de carícia. Há quantos anos não chovia assim? De tanto durar, a seca foi emudecendo a nossa miséria. O céu olhava o sucessivo falecimento da terra, e em espelho, se via morrer. A gente se indaguava: será que ainda podemos recomeçar, será que a alegria ainda tem cabimento?

Agora, a chuva cai, cantarosa, abençoada. O chão, esse indigente indígena, vai ganhando variedades de belezas. Estou espreitando a rua como se estivesse à janela do meu inteiro país. Enquanto, lá fora, se repletam os charcos a velha Tristereza vai arrumando o quarto.”

COUTO, Mia. “Chuva: a abensonhada”. In: Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 43.

Há mais de 20 anos (a primeira edição é de 1994), Mia Couto publicou o livro Estórias abensonhadas, uma coletânea de 26 contos. As estórias transitam entre os temas de fins da guerra, de tradições moçambicanas e de utopias que povoam aquele momento do país. Neste livro, no conto Chuva: a abensonhada, o autor articula esses temas numa linguagem poética e criativa, instaurando assim uma nova realidade, desafiando a lógica que predomina na relação entre as pessoas e o mundo.

Considerando o conto Chuva: a abensonhada, assinale a alternativa correta.

  1. A casa é referência limitada do narrador e da personagem Tristereza, que estão enclausurados no passado, sem possibilidade de um recomeço.
  2. A chuva é o motivo do pensamento do narrador, que vê nela a possibilidade de renovação e transformações positivas.
  3. O narrador não é uma pessoa letrada, pois utiliza palavras que não existem, como perfumegante, Tristereza e indaguava.
  4. A narrativa é conduzida por muitas personagens que aparecem como secundárias no desenvolvimento da ação.
  5. A presença de palavras como céu, terra, rua, país é um indicativo da vontade do narrador de participar da guerra.

Resposta: B

Resolução:

Texto I

“Na confusão verde do fundo da machamba, Maria não viu o capataz imediatamente. Esbracejou com aflição, tentando libertar as pernas. O braço rodeou-lhe os ombros duramente. O bafo quente e ácido do homem aproximou-se da sua face. A capulana da Maria desprendeu-se durante a breve luta e a sensação fria de água tornou-se-lhe mais vívida. Um arrepio fê-la contrair-se.

Sentiu nas coxas nuas a carícia morna e áspera dos dedos calosos do homem.”

Luis Bernardo Honwana. Dina, In: Nós Matamos o Cão Tinhoso!.

Texto II

“– Mas choraste. A bofetada que te dei foi só uma disciplina para aprenderes a não fazer ciúmes. Gosto muito de ti, Sarnau. És a minha primeira mulher. É tua a honra deste território. Tu és a mãe de todas as mães da nossa terra. Tu és o meu mundo, minha flor, rebuçado [bala] do meu coração. Deixei cair duas gotas de fel bem amargas e salgadinhas. Meu marido acariciava-me à moda dos búfalos; dizia-me coisas no ouvido e o seu hálito fedia a álcool, enjoava-me, arrepiavame, maltratando o meu corpinho frágil. Explodi furiosa e chorei de amargura.

– Sarnau, pareces ser uma machamba difícil. Já faz tempo que semeio em ti e não vejo resultado. Com a outra foi tão diferente. Bastou uma sementeira e germinou logo.

– Casámo-nos há pouco tempo, Nguila, muito pouco tempo.

– Não tenho lá muita paciência. Não estou para lavrar sem colher.”

Paulina Chiziane. Balada de amor ao vento, p. 61-62.

09. (Fuvest 2024) Os trechos transcritos foram retirados dos livros dos moçambicanos Luís Bernardo Honwana e Paulina Chiziane. Em ambos, observa-se a ocorrência da palavra “machamba”.

A respeito do uso desse termo, é correto afirmar:

  1. No texto I, machamba refere-se a um matagal, em sentido denotativo; no texto II, ao papel de esposa de Sarnau, em sentido conotativo.
  2. No texto I, machamba possui sentido literal, referindo-se às terras para cultivo; no texto II, o sentido é figurado, referindo-se ao útero de Sarnau.
  3. No texto I, machamba possui sentido figurado, referindose à colheita; no texto II, o sentido é literal, referindo-se a um problema.
  4. Em ambos os textos, machamba apresenta sentido literal e refere-se a um terreno agrícola de produção familiar.
  5. Em ambos os textos, machamba possui sentido figurado e refere-se às terras férteis ocupadas pelos portugueses.

Resposta: B

Resolução:

10. (Fuvest 2024) Nos excertos, os escritores moçambicanos descrevem, cada um em seu contexto, cenas de violência. Sobre elas, é correto afirmar:

  1. Luís Bernardo Honwana descreve uma cena de violência psicológica velada do capataz contra a mulher, sem que ela perceba a agressão sofrida.
  2. Luís Bernardo Honwana expõe a violência social de que a mulher é vítima ao relatar uma discussão acalorada que ela trava com o capataz.
  3. Luís Bernardo Honwana narra uma luta física entre o capataz e a mulher, a qual tenta resistir à agressão sofrida, mas acaba por consentir com a relação.
  4. Paulina Chiziane apresenta elementos narrativos que permitem identificar a agressão psicológica e física praticada, pelo marido, contra a mulher.
  5. Paulina Chiziane associa a violência contra a mulher a um processo educativo que visa zelar pela estabilidade da relação conjugal e pela felicidade do casal.

Resposta: D

Resolução:

11. (UNICAMP 2025) “Vou ao espelho tentar descobrir o que há de errado em mim. Vejo olheiras negras no meu rosto, meu Deus, grandes olheiras! Tendo andado a chorar muito por estes dias, choro até de mais”.

(CHIZIANE, Paulina. Niketche. Uma história de Poligamia. São Paulo: Companhia das Letras [Companhia de Bolso], p. 14, 2021.)

“Lembro-me ainda do temor de minha mãe nos dias de fortes chuvas. Em cima da cama (...) ela nos protegia com seu abraço (...). Nesses momentos os olhos de minha mãe se confundiam com os olhos da natureza. Chovia, chorava! Chorava, chovia! Então, por que eu não conseguia lembrar a cor dos olhos dela?”

(EVARISTO, Conceição. Olhos D’água. Rio de Janeiro: Pallas; Fundação Biblioteca Nacional, p. 17-18, 2016.)

A partir da leitura dos trechos e da compreensão do todo da narrativa, podemos afirmar que, comparativamente, os textos exprimem,

  1. pelo par “olheiras/abraço”, o medo feminino diante dos problemas econômicos e ecológicos do Sul Global.
  2. pelo par “espelho/águas”, o narcisismo feminino em um ambiente sociocultural altamente desigual.
  3. pela relação entre as águas e as lágrimas, a submissão feminina diante dos problemas econômicos e ecológicos do Sul Global.
  4. pela relação entre as águas e as lágrimas, o desamparo feminino em um ambiente sociocultural altamente desigual.

Resposta: D

Resolução:

12. (UFU) Sobre a obra de Mia Couto, Terra sonâmbula, depreende-se que esse texto

  1. abarca heróis no sentido clássico com capacidade de atos heroicos movidos por sentimentos nobres e elevados em prol da comunidade.
  2. funde histórias e estabelece pontos de contato entre épocas diferentes permitindo a identificação de um personagem com outro.
  3. solidifica a percepção de uma identidade nacional unificada à medida que há um amadurecimento de personagens.
  4. traz à tona a preocupação de reconstrução da cultura moçambicana no sentido de alinhá-la às culturas modernas.

Resposta: B

Resolução:

13. (FITS) TEXTO:

Identidade


Preciso ser um outro

para ser eu mesmo


Sou grão de rocha

Sou o vento que a desgasta


Sou pólen sem inseto

Sou areia sustentando

o sexo das árvores


Existo onde me desconheço aguardando pelo meu passado

ansiando a esperança do futuro


No mundo que combato morro

no mundo por que luto nasço.

COUTO, Mia. Identidade. Disponível em: <http: //portugues.uol. com.br/literatura/cinco-poemas-mia-couto.html>. Acesso em: 3 fev. 2019.

Sobre esses versos de Mia Couto, a única informação sem comprovação no texto é a que afirma que o eu lírico

  1. revela que sua identidade depende do seu reconhecimento no outro.
  2. se encontra em conflito, demonstrando-se instável e inseguro diante dos fatos.
  3. explicita sua estranheza ante uma realidade que se configura diferente da anterior.
  4. mostra que o passado e o futuro se alternam na construção identitária de um povo.
  5. acredita que lutar contra os acontecimentos é perder a chance de reorganizar um porvir melhor.

Resposta: E

Resolução:

Texto I

“Na confusão verde do fundo da machamba, Maria não viu o capataz imediatamente. Esbracejou com aflição, tentando libertar as pernas. O braço rodeou-lhe os ombros duramente. O bafo quente e ácido do homem aproximou-se da sua face. A capulana da Maria desprendeu-se durante a breve luta e a sensação fria de água tornou-se-lhe mais vívida. Um arrepio fê-la contrair-se.

Sentiu nas coxas nuas a carícia morna e áspera dos dedos calosos do homem.”

Luis Bernardo Honwana. Dina, In: Nós Matamos o Cão Tinhoso!.

Texto II

“– Mas choraste. A bofetada que te dei foi só uma disciplina para aprenderes a não fazer ciúmes. Gosto muito de ti, Sarnau. És a minha primeira mulher. É tua a honra deste território. Tu és a mãe de todas as mães da nossa terra. Tu és o meu mundo, minha flor, rebuçado [bala] do meu coração. Deixei cair duas gotas de fel bem amargas e salgadinhas. Meu marido acariciava-me à moda dos búfalos; dizia-me coisas no ouvido e o seu hálito fedia a álcool, enjoava-me, arrepiavame, maltratando o meu corpinho frágil. Explodi furiosa e chorei de amargura.

– Sarnau, pareces ser uma machamba difícil. Já faz tempo que semeio em ti e não vejo resultado. Com a outra foi tão diferente. Bastou uma sementeira e germinou logo.

– Casámo-nos há pouco tempo, Nguila, muito pouco tempo.

– Não tenho lá muita paciência. Não estou para lavrar sem colher.”

Paulina Chiziane. Balada de amor ao vento, p. 61-62.

14. (Fuvest 2024) Os trechos transcritos foram retirados dos livros dos moçambicanos Luís Bernardo Honwana e Paulina Chiziane. Em ambos, observa-se a ocorrência da palavra “machamba”.

A respeito do uso desse termo, é correto afirmar:

  1. No texto I, machamba refere-se a um matagal, em sentido denotativo; no texto II, ao papel de esposa de Sarnau, em sentido conotativo.
  2. No texto I, machamba possui sentido literal, referindo-se às terras para cultivo; no texto II, o sentido é figurado, referindo-se ao útero de Sarnau.
  3. No texto I, machamba possui sentido figurado, referindose à colheita; no texto II, o sentido é literal, referindo-se a um problema.
  4. Em ambos os textos, machamba apresenta sentido literal e refere-se a um terreno agrícola de produção familiar.
  5. Em ambos os textos, machamba possui sentido figurado e refere-se às terras férteis ocupadas pelos portugueses.

Resposta: B

Resolução:

15. (Fuvest 2024) Nos excertos, os escritores moçambicanos descrevem, cada um em seu contexto, cenas de violência. Sobre elas, é correto afirmar:

  1. Luís Bernardo Honwana descreve uma cena de violência psicológica velada do capataz contra a mulher, sem que ela perceba a agressão sofrida.
  2. Luís Bernardo Honwana expõe a violência social de que a mulher é vítima ao relatar uma discussão acalorada que ela trava com o capataz.
  3. Luís Bernardo Honwana narra uma luta física entre o capataz e a mulher, a qual tenta resistir à agressão sofrida, mas acaba por consentir com a relação.
  4. Paulina Chiziane apresenta elementos narrativos que permitem identificar a agressão psicológica e física praticada, pelo marido, contra a mulher.
  5. Paulina Chiziane associa a violência contra a mulher a um processo educativo que visa zelar pela estabilidade da relação conjugal e pela felicidade do casal.

Resposta: D

Resolução:

16. (UNEMAT) O cego Estrelinho era pessoa de nenhuma vez: sua história poderia ser contada e descontada não fosse seu guia, Gigito Efraim. A mão de Gigito conduziu o desvistado por tempos e idades. Aquela mão era repartidamente comum, extensão de um no outro, siamensal. E assim era quase de nascença. Memória de Estrelinho tinha cinco dedos e eram os de Gigito postos, em aperto, na sua própria mão.

O cego, curioso, queria saber de tudo. Ele não fazia cerimônia no viver. O sempre lhe era pouco e tudo insuficiente. Dizia, deste modo:

- Tenho que viver já, senão esqueço-me.

Gigitinho, porém, o que descrevia era o que não havia.

O mundo que ele minuciava eram fantasias e rendilhados. A imaginação do guia era mais profícua que papaeira. O cego enchia a boca de águas:

- Que maravilhação esse mundo. Me conte tudo, Gigito!

A mão do guia era, afinal, o manuscrito da mentira. Gigito Efraim estava como nunca esteve S. Tomé: via para não crer. O condutor falava pela ponta dos dedos. Desfolhava o universo, aberto em folhas. A ideação dele era tal que mesmo o cego, por vezes, acreditava ver.

(...)

COUTO, Mia. “O cego Estrelinho”. In: Estórias Abensonhadas. Portugal; Editotial caminho, 1994, pp.29 -30.

No excerto acima, retirado do conto “O cego Estrelinho”, é possível afirmar que Mia Couto utiliza de um procedimento estilístico para a construção narrativa, o da intertextualidade, que consiste no estabelecimento de relação com um texto já existente. Assim, Mia Couto traz um diálogo com um ditado popular “Ver para crer”, atribuído a São Tomé, um dos discípulos de Jesus Cristo na tradição cristã, que trazia como prerrogativa acreditar somente em algo concreto, naquilo que poderia ser visto ou constatado por ele. No entanto, Mia Couto traz nesse conto um sentido invertido desse ditado popular, ao invés da afirmação “Ver para crer”. Após sabermos que Gigito descrevia um mundo que não existia para o cego Estrelinho, o narrador afirma que “Gigito Efraim estava como nunca esteve S. Tomé: via para não crer”.

Diante de tal constatação, considera-se que

  1. ao inverter o sentido do ditado popular nesse conto, Mia Couto está radicalmente fazendo uma ruptura com uma tradição popular que não é de origem africana e sim cristã.
  2. o uso do procedimento da intertextualidade nessa narrativa vem colocar Mia Couto como um escritor que radicaliza a forma tradicional da escrita do gênero conto.
  3. é possível vislumbrar nesse conto dois tipos de visão, uma mais realista e a outra mais inventiva. A primeira se caracteriza pelo relato de uma realidade mais crua e dura, tal qual seria a descrição do mundo em que as personagens viviam, um mundo de miséria, de guerra e, para Estrelinho um mundo de escuridão, de cegueira. A outra visão, responsável pelo mundo inventado por Gigito, seria caracterizado pela representação de um mundo ideal, um mundo que poderia existir se não houvesse guerra.
  4. No conto, o significado da inversão de sentido do ditado popular “Ver para crer” em “via para não crer” se refere ao ato do personagem Estrelinho fingir acreditar na descrição do mundo de fantasias que Gigito lhe contava.
  5. Mia Couto traz uma crítica negativa a um mundo que “foge da realidade”, pois para ele é necessário viver a vida tal como ela é, viver no mundo como ele está, (mesmo sendo este mundo cheio de miséria e falta), para que o homem não se iluda por um mundo de fantasias que o tiram de sua verdadeira vida.

Resposta: C

Resolução:

17. (UNICAMP) Leia o seguinte trecho da obra Terra Sonâmbula, de Mia Couto, extraído do Sexto caderno de Kindzu, subintitulado O regresso a Matimati.

Lembrei meu pai, sua palavra sempre azeda: agora, somos um povo de mendigos, nem temos onde cair vivos. Era como se ainda escutasse:

- Mas você, meu filho, não se meta a mudar os destinos.Afinal, eu contrariava suas mandanças. Fossem os naparamas, fosse o filho de Farida: eu não estava a deixar o tempo quieto. Talvez, quem sabe, cumprisse o que sempre fora: sonhador de lembranças, inventor de verdades. Um sonâmbulo passeando entre o fogo. Um sonâmbulo como a terra em que nascera. Ou como aquelas fogueiras por entre as quais eu abria caminho no areal. (Mia Couto, Terra Sonâmbula. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015, p. 104.)

Na passagem citada, a personagem Kindzu recorda os ensinamentos de seu pai diante do estado desolador em que se encontrava sua terra, assolada pela guerra, e reflete sobre a coerência de suas ações em relação a tais ensinamentos. Levando em consideração o contexto da narrativa do romance de Mia Couto, é correto afirmar que:

  1. A demanda realizada por Kindzu e que é relatada em seus cadernos funciona como uma forma de fuga para a personagem Muidinga, que se aliena da realidade da guerra pela leitura dos cadernos, indicando de modo inequívoco a função social da literatura.
  2. A narrativa contida nos cadernos de Kindzu, lida por Muidinga e Tuahir, representa o universo onírico e se contrapõe à realidade objetiva das duas personagens, razão pela qual ambas as narrativas aparecem no livro de modo intercalado, sem, necessariamente, haver uma interseção entre elas.
  3. Segundo a personagem Kindzu, a sua terra, sonâmbula como ele, seria um lugar da sobreposição entre sonho e realidade, tal como ocorre na narrativa que registra em seus cadernos, em que é impossível o estabelecimento de uma delimitação entre o onírico e o real.
  4. O sonho, sugerido pelo termo “sonâmbulo”, contrapõe-se à realidade da guerra, sugerida pela palavra “fogo”; terra sonâmbula seria, pois, um lugar em que os limites entre realidade e sonho aparecem bem delimitados e no qual as personagens estão condenadas definitivamente à miséria da guerra.

Resposta: C

Resolução:

18. (UFGD) Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.

(COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007)

No que tange à realidade sócio-histórica exposta na obra do escritor moçambicano Mia Couto, Terra Sonâmbula, no breve recorte acima, é correto afirmar que os elementos grifados no excerto fazem analogia direta, respectivamente, a

  1. Moçambicanos / da luta / os pássaros.
  2. Moçambicanos / da vida / a vida.
  3. Moçambicanos / da guerra / a vida.
  4. Africanos / da guerra / a vida.
  5. Africanos / da guerra / os pássaros.

Resposta: C

Resolução:

19. (ITA 2024) Leia abaixo o excerto do conto “A velhota”, de Luís Bernardo Honwana. Em seguida, assinale a alternativa INCORRETA. “Não, eu não contaria.

Não fora para isso que viera para casa. Além disso, não seria eu a destruir neles fosse o que fosse. A seu tempo alguém se encarregaria de os pôr na raiva. Não, eu não contaria.”

  1. O narrador revela a sua certeza em relação ao futuro de seus irmãos e deixa transparecer a sua impotência para evitar isso.
  2. A recusa do narrador em relatar o que lhe acontecera é uma maneira de poupar a sua família de maiores preocupações.
  3. A violenta dominação portuguesa é representada por aqueles que agrediram o narrador.
  4. A raiva a que se refere o narrador aparece, o tempo todo, em suas relações familiares, tanto com seus irmãos, quanto com sua mãe.
  5. Assim como Madala, o narrador do conto não tem o que fazer, além de suportar as violências às quais é submetido, inclusive para proteger sua família.

Resposta: D

Resolução:

20. (ITA 2024) No conto “Dina”, de Luís Bernardo Honwana, o capataz, ao descobrir que Maria é filha de Madala, desespera-se e oferece ao ancião a tarde de folga para que ele possa conversar com a moça. Tal passagem sugere que:

  1. o capataz se arrependeu de ter violentado Maria, pois nutria por Madala grande estima e consideração.
  2. apesar de todas as violências cometidas pelo capataz contra os negros, estuprar uma mulher na presença do pai dela extrapola toda e qualquer ética possível entre homens.
  3. Madala recebia do capataz um tratamento privilegiado, principalmente em relação ao tempo de descanso, e, por isso, era menosprezado por seus iguais.
  4. o capataz teve receio de alguma tentativa de retaliação por parte de Madala e seus companheiros, o que o fez reavaliar as suas atitudes violentas.
  5. por ter se apaixonado pela moça, o capataz quis agradar ao seu velho pai, por quem nutria grande afeto, respeito e consideração.

Resposta: B

Resolução:

21. (UFGD) Em Terra sonâmbula, de Mia Couto, de que maneira os cadernos de Kindzu adquirem importância para a sobrevivência do menino Muidinga em meio à guerra civil que assola o país?

  1. Sendo Muidinga semianalfabeto, os cadernos de Kindzu permitem que ele, à medida que os decifra, perceba que a leitura é um poderoso instrumento de resistência ao poder estabelecido.
  2. Sendo Tuahir analfabeto, os cadernos de Kindzu permitem que Muidinga, ao lê-los, entretenha o velho durante a longa viagem que intentam fazer para fugir da guerra.
  3. Ao ler os cadernos de Kindzu para o analfabeto Tuahir, Muidinga, ao se identificar com o relato, assimila melhor seu próprio drama de resistência à guerra e a busca aos pais desaparecidos.
  4. Ao ler os cadernos de Kindzu, Muidinga finalmente identifica e localiza, ao final do relato, seu irmão desaparecido no início da guerra.
  5. Através dos cadernos de Kindzu, Muidinga percebe que Tuahir é na verdade seu pai, apesar do esforço deste em manter a informação em segredo a fim de não comprometer a fuga do local de conflito.

Resposta: C

Resolução:

22. (F. Cásper Líbero) A personagem-narradora de O cesto, que integra O fio das missangas, de Mia Couto, era desprezada pelo marido. Assinale a opção em que a passagem do texto NÃO caracteriza o estado de submissão e passividade vivido por ela:

  1. “Hoje será como todos os dias: lhe falarei, junto ao leito, mas ele não me escutará. Não será essa a diferença. Ele nunca me escutou.”
  2. “Onde vivo não é na sombra. É por detrás do sol, onde toda a luz há muito se pôs.”
  3. “Agora, pelo menos, já não sou mais corrigida. Já não recebo enxovalho, ordem de calar, de abafar o riso.”
  4. “Amanhã, tenho que me lembrar para não preparar o cesto da visita.”
  5. “Como a pedra, que não tem espera nem é esperada, fiquei sem idade.”

Resposta: D

Resolução:

23. (F. Cásper Líbero) Sobre as características da literatura africana, presentes em O fio das missangas, de Mia Couto, é correto afirmar:

  1. A literatura moçambicana buscou meios de conseguir conviver com os conflitos póscoloniais, explorando narrativas orais de padrão culto, diluindo as marcas culturais híbridas dentro de uma mesma cultura e criando pontos de contato entre a língua europeia trazida pelos colonizadores e as línguas locais.
  2. A literatura de Mia Couto irá refletir de modo direto a situação cultural de seu país. O fio das missangas tematiza o universo intelectual de Moçambique, atentando para questões concernentes à construção das identidades literárias cujas referências foram dilaceradas e desvalorizadas pela colonização europeia.
  3. O principal problema da literatura pós-colonial moçambicana relaciona-se ao fato de ela fazer interagir uma tradição cultural africana (fortemente enraizada na oralidade) com outra, europeia, resguardada pela autoridade da escrita.
  4. A literatura pós-colonial, embora profundamente crítica, não consegue retratar as marcas profundas da exclusão e da dicotomia cultural durante o domínio imperial, as transformações operadas pelo domínio cultural europeu e os conflitos decorrentes.
  5. Os escritores moçambicanos passaram a incorporar as estratégias colonialistas existentes na literatura, recusando os mecanismos de subversão experimentados pela imaginação poética, preferindo, em contrapartida, abordar questões relacionadas à tradição da literatura europeia.

Resposta: C

Resolução:

24. (UFAM PSC) Num de seus romances mais conhecidos, o escritor moçambicano Mia Couto relata a história de Marianinho, que retorna ao seu local de origem para assistir aos funerais do avô, Dito Mariano. Esse romance se intitula:

  1. O Outro pé da sereia
  2. O Vendedor de passados
  3. As Mulheres do meu pai
  4. A Cidade e a infância
  5. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra

Resposta: E

Resolução:

25. (USS) António Emílio Leite Couto é um dos nomes mais importantes dentre os escritores africanos de língua portuguesa. Moçambicano nascido em 1955, Mia Couto, como é conhecido, é também biólogo e professor universitário, dedicando-se aos estudos de impacto ambiental. O conto a seguir é de sua autoria.

O MENDIGO SEXTA-FEIRA JOGANDO NO MUNDIAL

Lhe concordo, doutor: sou eu que invento minhas doenças. Mas eu, velho e sozinho, o que posso fazer? Estar

doente é minha única maneira de provar que estou vivo. É por isso que frequento o hospital, vezes e vezes,

a exibir minhas maleitas1. Só nesses momentos, doutor, eu sou atendido. Mal atendido, quase sempre. (...)

Desta feita, porém, é diferente. Pois eu, de nome posto de Sexta-Feira, me apresento hoje com séria e

[5] verídica queixa. Venho para aqui todo desclaviculado, uma pancada quase me desombrou. Aconteceu

quando assistia ao jogo do Mundial de Futebol. Desde há um tempo, ando a espreitar na montra2 do

Dubai Shopping, ali na esquina da Avenida Direita. É uma loja de tevês, deixam aquilo ligado na montra

para os pagantes contraírem ganas de comprar. (...)

É ali no passeio que assisto futebol, ali alcanço ilusão de ter familiares. O passeio é um corredor da

[10] enfermaria. Todos nós, os indigentes ali alinhados, ganhamos um tecto3 nesse momento. Um tecto que

nos cobre neste e noutros continentes.

Só há ali um no entanto, doutor. É que sou atacado de um sentimento muito ulceroso enquanto os meus

olhos apanham boleia4 para a Coreia do Sul. O que me inveja não são esses jovens, esses fintabolistas,

todos cheios de vigor. O que eu invejo, doutor, é quando o jogador cai no chão e se enrola e rebola a

[15] exibir bem alto as suas queixas. A dor dele faz parar o mundo.

Um mundo cheio de dores verdadeiras para perante a dor falsa de um futebolista. (...)

Eu sei, doutor, lhe estou roubando o tempo. Vou directo no assunto do meu ombro. Pois aconteceu o

seguinte: o dono da loja deu ontem ordem para limpar o passeio. Não queria ali mendigos e vadios. Que

aquilo afastava a clientela e ele não estava para gastar ecrã5 em olho de pobre. Recusei sair, doutor. O

[20] passeio é pertença de um alguém? Para me retirarem dali foi preciso chamar as forças policiais. (...)

Pois eu, conforme se vê, vim ao hospital não por artimanha, mas por desgraça real. O doutor me olha,

desconfiado, enquanto me vai espreitando os traumatombos. Contrariado, ele lá me coloca sob o olho de

uma máquina radiográfica. Até me atrapalho com tanta deferência. Até hoje, só a polícia me fotografou. (...)

E logo me desando, já as ruas deságuam. Chego à loja dos televisores e me sento entre a mendigagem. (...)

[25] O que eu vi num adocicar de visão foi isto, sem mais nem menos: eu e os mendigos de sexta-feira estamos

no mundial, formamos equipa com fardamento brilhoso. E o doutor é o treinador. E jogamos, neste

momento preciso. Eu sou o extremo esquerdo e vou dominando o esférico, que é um modo de dominar

o mundo. Por trás, os aplausos da multidão. De repente, sofro carga do defesa contrário. Jogo perigoso,

reclamam as vozes aos milhares. Sim, um cartão amarelo, brada o doutor. Porém, o defesa continua a

[30] agressão, cresce o protesto da multidão. Isso, senhor árbitro, cartão vermelho! Boa decisão! Haja no jogo

a justiça que nos falta na vida.

Afinal, o vermelho é do cartão ou será o meu próprio sangue? Não há dúvida: necessito de assistência,

lesionado sem fingimento. Suspendessem o jogo, expulsassem o agressor das quatro linhas. Surpresa

minha – o próprio árbitro é quem me passa a agredir. Nesse momento, me assalta a sensação de um

[35] despertar como se eu saísse da televisão para o passeio. Ainda

vejo a matraca do polícia descendo sobre

a minha cabeça. Então, as luzes do estádio se apagam.

MIA COUTO O fio das missangas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

1 Maleitas – doenças de fácil resolução.

2 Montra – vitrina.

3 Tecto – teto.

4 Boleia – carona.

5 Ecrã – tela.

O texto explora a rel

  1. Estar doente é minha única maneira de provar que estou vivo. (l. 1-2)
  2. Venho para aqui todo desclaviculado, uma pancada quase me desombrou. (l. 5)
  3. Um mundo cheio de dores verdadeiras para perante a dor falsa de um futebolista. (l. 15-16)
  4. Pois eu, conforme se vê, vim ao hospital não por artimanha, mas por desgraça real. (l. 21)

Resposta: A

Resolução:

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