UFU - Filosofia 2025.2

09. (UFU 2025.2) Rousseau apresenta, no texto abaixo, elementos que introduzem a desigualdade entre os homens no estado de natureza.

Os homens até então errantes pelos bosques, depois de adquirirem uma situação mais fixa, aproximam-se lentamente [...] Uma vizinhança permanente não pode deixar de engendrar, afinal, alguma ligação entre diversas famílias. Jovens de diferentes sexos moram em cabanas vizinhas, o relacionamento passageiro, exigido pela natureza, traz logo outro não menos doce e mais permanente, pelo convívio mútuo. [...] Adquirem insensivelmente idéias de mérito e de beleza que produzem sentimentos de preferência. À força de se verem, já não podem passar sem se ver novamente. Um sentimento terno e doce insinua-se na alma e, à menor oposição, torna-se um furor impetuoso: o ciúme desperta com o amor; a discórdia triunfa, e a mais doce das paixões recebe sacrifícios de sangue humano. [...] Cada qual começou a olhar os outros e a querer ser olhado por sua vez, e a estima pública teve um preço. Aquele que cantava ou dançava melhor; o mais belo, o mais forte, o mais hábil ou o mais eloqüente passou a ser o mais considerado, e foi esse o primeiro passo para a desigualdade e para o vício ao mesmo tempo; dessas primeiras preferências nasceram, de um lado a vaidade e o desprezo, do outro a vergonha e o desejo; e a fermentação causada por esses novos germes produziu por fim compostos funestos à felicidade e à inocência.

Rousseau, J.J. Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.210-211.

Considerando o texto acima e como Rousseau compreende o estado de natureza, é INCORRETO afirmar que

  1. a constituição de associações humanas introduz nos indivíduos o desejo de ser melhor do que os outros.
  2. a origem da desigualdade se deve exclusivamente a quem por primeiro tomou algo comum como sua propriedade.
  3. sem associações humanas constituídas, seres humanos viveriam em um estado de inocência, sem a necessidade de regras legais e morais.
  4. o surgimento da inveja e do ciúme estabelece o vício e o fim da inocência na medida em que a desconfiança se instala entre as pessoas.

10. (UFU 2025.2) Simone de Beauvoir, em “O segundo sexo”, apresenta a seguinte constatação.

Libertar a mulher é recusar encerrá-la nas relações que mantém com o homem [...] É quando for abolida a escravidão de uma metade da humanidade e todo o sistema de hipocrisia que implica, que a “divisão” da humanidade revelará sua significação autêntica e que o casal humano encontrará sua forma verdadeira.

Beauvoir, S. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967. p. 500.

Considere o texto acima e como a autora compreende o papel da mulher e assinale a alternativa INCORRETA.

  1. A mulher terá liberdade e se assumirá como sujeito apenas ao recusar qualquer relação com o homem.
  2. O papel social da mulher não é resultado da constituição de seu corpo, mas de relações sociais que lhe conferem um papel inferior ao do homem.
  3. A inferioridade em que a mulher historicamente foi colocada se deve ao fato de sua identidade estar determinada pela relação que tem com o homem.
  4. A consciência da feminilidade não se dá à mulher por ela ser fêmea de uma espécie, mas por estar inserida como membro de uma sociedade.

11. (UFU 2025.2) Na Apologia de Sócrates, Platão apresenta como teria sido a defesa que Sócrates fez em relação às acusações que sofreu. É nesse contexto que a passagem abaixo se insere.

Terrível seria se, na verdade, pudesse alguém com justiça levar-me a tribunal por não acatar os deuses e desprezar o oráculo e temer a morte, julgando ser sabedor sem o ser. Pois temer a morte, homens, não é mais do que julgar ser sábio sem o ser, porque é julgar saber o que se não sabe. Pois ninguém sabe o que é a morte, ninguém sabe se não será o maior dos bens para o homem, mas temem-na como se soubesse que era o maior dos males. Ora, não será a mais censurável das ignorâncias julgar saber o que não sabe? Talvez nisso eu difira da maioria dos homens e, se dissesse que em qualquer coisa era mais sábio, seria nisso, pois, não sabendo o bastante sobre o Hades, nem, por isso, julgo saber.

Platão, Apologia de Sócrates (29a-c). Lisboa: Casa da Moeda, 1993. p.83.

Considerando o texto acima, assinale a alternativa INCORRETA.

  1. A ignorância socrática, por consistir em saber que nada sabe, resulta em um saber mais amplo do que o saber proferido por quem acha que sabe.
  2. Sócrates diz que não teme a morte, porque ela, na medida em que não é um mal, seria um bem.
  3. O temor da morte é um ato de ignorância na medida em que só se pode temer o que se julga ser um mal, embora não seja possível saber o que ocorre após a morte.
  4. A decisão de condenar Sócrates à morte revela a ignorância dos juízes, que acreditam, sem saber, que a morte é uma punição.

12. (UFU 2025.2) Aristóteles, na “Ética a Nicômaco”, entende que a prudência exerce um papel necessário na determinação das ações moralmente virtuosas. Considere as seguintes afirmações sobre a prudência na filosofia moral de Aristóteles.

I. Consiste na compreensão do dever moral.

II. Determina, por deliberação, qual é o meio-termo para uma ação.

III. Envolve a compreensão correta das circunstâncias do agente.

IV. Delibera os modos e meios para alcançar e promover um fim prático.

V. Pode ser aplicada a qualquer ação, mesmo as moralmente reprováveis.

Assinale a alternativa que apresenta apenas asserções VERDADEIRAS.:

  1. I, II e IV
  2. II, III e IV
  3. II, IV e V
  4. I, III e V

13. (UFU 2025.2) David Hume apresenta a seguinte distinção entre pensamentos ou ideias e impressões:

Podemos aqui dividir todas as percepções da mente em duas classes ou espécies que se distinguem por seus diferentes graus de força e vivacidade. As que são menos fortes e vivazes são comumente denominadas pensamentos ou idéias [...] Entendo pelo termo impressão, portanto, todas as nossas percepções mais vívidas, sempre que ouvimos, ou vemos, ou sentimos, ou amamos, ou odiamos, ou desejamos ou exercemos nossa vontade. E impressões são distintas das idéias, que são as percepções menos vívidas, das quais estamos conscientes quando refletimos sobre quaisquer umas das sensações ou atividades já mencionadas. [...] para expressar-me em linguagem filosófica, todas as nossas idéias, ou percepções mais tênues, são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vívidas.

HUME, D. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: Unesp, 2004. p.34-36.

Com base no texto acima e na distinção entre ideia e impressão, é CORRETO afirmar que

  1. ideias ou pensamentos empregados em artes ficcionais, como sobre seres fantásticos, não podem ser cópias de impressões, pois esses seres não existem.
  2. as ideias e impressões originam-se da percepção humana, mas a compreensão do tempo e do espaço está presente no ser humano desde seu nascimento.
  3. pela percepção, temos impressões das relações de causalidade entre os fatos que ocorrem no mundo.
  4. a operação do pensamento pode ocorrer independentemente do que possa existir em alguma parte do mundo.

14. (UFU 2025.2) Marx e Engels, em A Ideologia Alemã, apresentam a relação entre os pensamentos e a posse dos meios de produção nos seguintes termos.

Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que é o poder material dominante numa determinada sociedade é também o poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios da produção material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe dominante. Os pensamentos dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes; eles são essas relações materiais dominantes consideradas sob forma de idéias, portanto a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; em outras palavras, são as idéias de sua dominação.

MARX, K.; ENGELS, F., A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.48.

Sobre a relação entre os pensamentos e a posse dos meios de produção, é INCORRETO afirmar que

  1. a posse dos meios de produção intelectual pela classe dominante permite a ela controlar todos os pensamentos de uma época.
  2. sistemas filosóficos, jurídicos representam os pensamentos da classe dominante e, portanto, os seus interesses.
  3. pessoas pertencentes à classe não dominante reproduzem o pensamento dominante que expressa a relação de classes a que estão submetidas.
  4. os valores morais e políticos da classe dominante de uma época são apresentados como valores universais e abstraídos das circunstâncias materiais de sua origem.

15. (UFU 2025.2) No texto abaixo, Maquiavel usa uma analogia para apresentar a relação entre virtù e fortuna.

Comparo a fortuna a um desses rios impetuosos que, quando se iram, alagam as planícies, derrubam as árvores e as casas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos fogem deles, todos cedem a seu ímpeto sem poder detê-los em parte alguma. Mesmo assim, nada impede que, quando os tempos estão calmos, os homens tomem providências, construam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia se repetir, ou os rios fluem por um canal, ou seu ímpeto não seria nem tão licencioso nem tão danoso. O mesmo acontece com a fortuna, que demonstra sua potência onde não encontra uma virtù ordenada, pronta para resistir-lhe, e volta seu ímpeto para onde sabe que não erguidos diques nem barreiras para contê-la. Maquiavel, N. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 121-122

Considerando o texto acima, assinale a alternativa que descreve FALSAMENTE a relação entre virtù e fortuna.

  1. A virtù diz respeito à capacidade que o príncipe deve ter de antecipar e lidar com as circunstâncias problemáticas para seu governo.
  2. A fortuna é caracterizada por sua imprevisibilidade e, tendo ganhado força, o livre-arbítrio humano não é capaz de controlá-la.
  3. O sucesso do governante repousa na sua virtù, que lhe permite conhecer as leis que regem a fortuna.
  4. A virtù do príncipe não é concebida como uma qualidade moral e a fortuna não favorece esse príncipe.

16. (UFU 2025.2) Sobre o fenômeno e a coisa em si, Kant afirma que:

O conceito de um númeno, isto é, de uma coisa que não deve ser pensada como objeto dos sentidos, mas como coisa em si (exclusivamente por um entendimento puro) [...] é necessário para não alargar a intuição sensível até às coisas em si e para limitar, portanto, a validade objetiva do conhecimento sensível (pois as coisas restantes, que a intuição sensível não atinge, se chamam por isso mesmo númenos, para indicar que os conhecimentos sensíveis não podem estender o seu domínio sobre tudo o que o pensamento pensa). Mas, em definitivo, não é possível compreender a possibilidade de tais númenos e o que se estende para além da esfera dos fenômenos é (para nós) vazio.

Kant. I. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.p.296.

Sobre o fenômeno e a coisa em si, assinale a alternativa correta.

  1. A coisa em si (númeno) constitui-se em um objeto do pensamento na medida em que pode ter suas características espaço-temporais abstraídas.
  2. A coisa em si (númeno) denomina o conjunto de coisas abstratas cuja existência podemos conhecer pelo entendimento puro.
  3. A coisa em si (númeno) constitui-se como objeto das ciências na medida em que não possui características acidentais.
  4. A coisa em si (númeno) não é objeto da nossa intuição sensível, porém pode ser pensada sem contradição por um entendimento puro