UFU - Linguagens 2025.2

49. (UFU 2025.2) Quando criança, fui ensinada que a população negra havia sido escrava e ponto, como se não tivesse existido uma vida anterior nas regiões de onde essas pessoas foram tiradas à força. Disseram-me que a população negra era passiva e que “aceitou” a escravidão sem resistência. Também me contaram que a princesa Isabel havia sido sua grande redentora. No entanto, essa era a história contada do ponto de vista dos vencedores, como diz Walter Benjamin. O que não me contaram é que o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, perdurou por mais de um século e que se organizaram vários levantes como forma de resistência à escravidão, como a Revolta dos Malês e a Revolta da Chibata. Com o tempo, compreendi que a população negra havia sido escravizada, e não era escrava (...).

RIBEIRO, D. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. (Fragmento).

A expressão destacada no final do trecho serve ao propósito de

  1. manifestar postura consoante à visão histórica dominante sobre à escravidão no Brasil.
  2. qualificar a história da população negra sobre sua condição de escravidão ao longo do tempo.
  3. repudiar a passividade com a qual a população negra reagiu historicamente à escravidão.
  4. abdicar do ponto de vista dos vencedores para inspirar levantes de resistência à escravidão.

Resposta: B

Resolução: A distinção entre "ser escravo" e "ter sido escravizado" é fundamental. A primeira naturaliza a escravidão como condição inata; a segunda revela que se trata de um processo imposto. O trecho tem como objetivo requalificar essa história a partir de uma perspectiva crítica, denunciando uma narrativa hegemônica e destacando o papel da agência e da resistência negra.

50. (UFU 2025.2) O primeiro passo para checar algo é escolher o que será checado. “Essa parte é vital para o nosso trabalho porque desse monitoramento vamos ver o que faremos ao longo do nosso dia”, explica Nathália Afonso, jornalista da Agência Lupa. (...)

A Lupa deixa claro que dá prioridade à checagem a partir de três critérios: “quem fala”, “o que fala” e “que barulho faz”. Essa escolha vem a partir do monitoramento da agenda pública, acompanhando as autoridades e seus compromissos e discursos, e a partir do monitoramento de redes sociais. É preciso, além de uma boa leitura do material, entender qual conteúdo precisa ser checado primeiro para diminuir o impacto que a informação falsa pode causar.

Após a verificação das informações por meio de dados públicos, relatórios oficiais e até pesquisas acadêmicas, o jornalista-checador confronta os achados com as declarações para redigir o texto e inserir a etiqueta para o material checado.

Disponível em: https://desinformante.com.br/. Acesso em: 23 jan. 2025. (Fragmento adaptado).

No fragmento textual, a expressão “É preciso”

  1. distingue as etapas necessárias para a checagem de conteúdo, evidenciando um ponto de vista.
  2. hierarquiza a ordenação das etapas de checagem de conteúdo, de modo a destacar a mais importante de todo o processo.
  3. denuncia a preferência dos checadores de conteúdo sobre às etapas do processo, constituindo uma estratégia argumentativa.
  4. realça a importância da primeira etapa necessária para a checagem de conteúdo, configurando um recurso de modalização.

Resposta: D

Resolução: A expressão “é preciso” tem valor de modalização, ou seja, orienta o leitor quanto à necessidade ou obrigatoriedade de determinada ação. No texto, ela enfatiza a importância da etapa de seleção e priorização de informações a serem checadas, não necessariamente hierarquizando etapas, mas destacando sua relevância.

51. (UFU 2025.2) A Chloe estará de volta quando ELA estiver pronta para fazer escolhas por si mesma. Com amor. Katie Clem (mãe da Chloe)”. É altamente provável que, apenas pelo nome, pouquíssimas pessoas identifiquem quem é Chloe. No entanto, uma descrição bastante sucinta permite que sua identidade seja rapidamente revelada: “uma menina loira, de dentes salientes e aproximadamente 2 anos de idade, sentada numa cadeirinha para bebês em um carro, fazendo expressão de desdém enquanto olha para o lado”. A essa altura, a associação da descrição com o famoso meme é inevitável: Chloe Clem é mundialmente conhecida. (...)

O medo de Katie Clem em deixar suas filhas tão acessíveis revela apenas um dos muitos perigos da prática que se convencionou designar (over)sharenting. Concebida como a superexposição dos dados e da imagem de crianças e adolescentes por seus pais ou pessoas próximas, a prática, em pouquíssimo tempo, saiu do campo das reportagens jornalísticas e passou a integrar importantes documentos, tanto nacionais, como internacionais, nas mais diversas esferas. No ano de 2021, a Sociedade Brasileira de Pediatria apresentou em seu “Guia Prático de Atualização” uma definição do fenômeno. Por seu turno, a Unicef publicou em 2017 um relatório em que aponta os perigos associados a esta prática. Além disso, tem sido crescente e numerosa a produção científica a respeito do tema, em especial nas áreas do direito, medicina, psicologia e comunicação social.

Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/. Acesso em: 17 jan. 2025. (Fragmento adaptado).

No texto, no segundo parágrafo, o trecho destacado em relação ao trecho precedente funciona como

  1. comparação, considerando os documentos das instituições nacionais e internacionais citadas.
  2. contraste, contrapondo os documentos nacionais e internacionais referidos pelas instituições.
  3. exemplificação, ilustrando quais eram os “importantes documentos” nacionais e internacionais mencionados.
  4. autoridade, referendado pela credibilidade das instituições nacionais e internacionais citadas.

Resposta: C

Resolução: O trecho destacado apresenta exemplos concretos de documentos nacionais (Sociedade Brasileira de Pediatria) e internacionais (Unicef) que abordam o tema do oversharenting. Assim, ele exemplifica a afirmação anterior sobre a importância e abrangência do debate.

52. (UFU 2025.2) Único Nobel de Literatura a escrever em iídiche, Isaac Bashevis Singer, aproveitou a entrega do prêmio, em 10 de dezembro de 1978, para explicar por que fazia livros numa língua pouco falada. "Antes de tudo", disse, "gosto de escrever histórias de fantasmas, e não há nada mais adequado a um fantasma do que uma língua moribunda. Quanto mais morta for uma língua, mais vivo fica o fantasma. (...). Fora isso, não só acredito em fantasmas como também em ressurreição. Estou certo de que milhões de defuntos que falavam iídiche irão, um dia, se levantar das tumbas, e sua primeira pergunta será: Saiu algum livro novo em iídiche? Para eles, essa nunca será uma língua morta. [...] Por fim, há uma razão menor para que eu continue escrevendo em iídiche: pode ser uma língua moribunda, mas é a única que domino. É a minha língua materna, e uma mãe nunca está realmente morta".

Disponível em: https://www.travessa.com.br/. Acesso em: 31 jan. 2024. (Adaptado).

De acordo com o texto, para explicar a razão pela qual fazia livros numa língua pouco falada, Isaac Singer recorreu em seu discurso, prioritariamente, à

  1. quebra de expectativa, estabelecendo o humor, enquanto estratégia predominante.
  2. utilização de elementos sobrenaturais, para estabelecer o discurso mítico.
  3. ordenação argumentativa, utilizando o argumento mais forte por último.
  4. língua morta iídiche, que pode ser utilizada e estudada em qualquer tempo.

Resposta: A

Resolução: Singer usa ironia e humor ao relacionar a língua iídiche com fantasmas e a ressurreição dos mortos. Essa abordagem quebra a expectativa de um discurso puramente racional ou dramático sobre a preservação da língua, conferindo leveza e originalidade à sua justificativa — característica marcante de sua fala.

53. (UFU 2025.2) O que acontece se administrarmos uma dose três vezes maior de Wegovy, medicamento à base de semaglutida para obesidade – ou mais de seis vezes maior de Ozempic, a versão utilizada para o tratamento do diabetes -, a pessoas acima do peso? Um estudo realizado pela farmacêutica Novo Nordisk testou essa formulação turbinada e divulgou os resultados.

A pesquisa, na última etapa da fase clínica, avaliou a segurança e a eficácia de injeções de 7,2 mg de semaglutida em comparação com o remédio já aprovado (o Wegovy, com 2,4 mg de semaglutida) e o placebo (injeções sem o princípio ativo em si), todos aplicados uma vez por semana. Ao todo, 1 407 pessoas com obesidade participaram da investigação conduzida pelo laboratório dinamarquês durante cerca de 16 meses – e elas foram orientadas a também fazer mudanças no estilo de vida.

O principal resultado do estudo, batizado de STEP UP, foi que a dose tripla do análogo de GLP-1 (a classe da semaglutida) apresentou resultados superiores aos da dose padrão, liberada e comercializada no Brasil. Os pacientes que usaram canetas de 7,2 mg perderam, em média, 20,7% do peso corporal. Quem tomou o Wegovy reduziu, em média, 17,5% do peso. E o emagrecimento com o placebo não passou de 2,4% do peso inicial. [...]

Tais pesquisas são capítulos de uma nova era no tratamento medicamentoso da obesidade, problema de saúde pública que afeta ao menos 1 bilhão de pessoas no planeta e para o qual foram propostas recentemente novas definições, bem como critérios de diagnóstico.

Disponível em: https://veja.abril.com.br/. Acesso em: 01 fev. 2025. (Fragmento)

No trecho, a expressão destacada cumpre a função de

  1. atribuir valor simbólico ao progresso científico, representando as pesquisas como marcos de um processo contínuo e variável.
  2. enfatizar a neutralidade da informação científica, apresentando os resultados dos estudos de forma descritiva e objetiva.
  3. indicar que cada pesquisa representa um avanço específico, tratado de forma independente em relação a outros estudos.
  4. ressaltar o caráter inovador das descobertas, sugerindo uma ruptura em relação ao conhecimento científico anterior

Resposta: A

Resolução: A metáfora "capítulos de uma nova era" representa simbolicamente o avanço das pesquisas científicas, como partes de um processo histórico contínuo no enfrentamento da obesidade. Não indica neutralidade (B), nem ruptura (D), mas progresso.

54. (UFU 2025.2) Cresci no bairro paulistano da Água Branca, em uma vila operária na várzea do Rio Tietê, construída no começo do século 20 nos arredores da Vidraçaria Santa Marina. Atrás das chaminés e fornos, uma ferrovia cruza a Av. Santa Marina. Quatro cancelas compridas – com pintura zebrada, luzes amarelas piscantes e uma campainha estridente – interrompem os carros para os trens passarem.

Em geral, são comboios comuns, recheados de gente com destino a Jundiaí ou à Estação da Luz. Mas, volta e meia, vêm duas ou três locomotivas rangendo em ritmo de hipopótamo, puxando vagões de soja. Para o bebê Bruno, esses eram os dias felizes. Faziam o mundo parecer feito de Lego. Eu acenava para os maquinistas; queria ser um deles quando crescesse. [...]

Como um todo, a malha ferroviária brasileira beira o inexistente. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), todos os trilhos do Brasil, somados, dão 30.660 km, contra 1,7 milhão de km de malha rodoviária. São 3,1 metros de ferrovia para cada km² do território nacional – contra os 15 m/km² da Argentina e 150 m/km² dos EUA. [...]

Reestabelecer e expandir nossa rede ferroviária não é só uma questão de adicionar mais quilômetros de trilhos – mas de pôr esses trilhos a serviço e ao alcance da população e do desenvolvimento do Brasil, muito além da exportação de minério ou soja.

Disponível em: https://super.abril.com.br/. Acesso em: 20 jan. 2025. (Fragmento) Considerando a organização do trecho, os dois primeiros parágrafos contribuem para a construção da argumentação ao

  1. apresentar uma perspectiva histórica acerca do uso das ferrovias no Brasil, com o objetivo de contextualizar o papel dos trens desde o início do século XX até a atualidade.
  2. introduzir uma experiência de infância do autor, com o objetivo de exemplificar o impacto das ferrovias no cotidiano das pessoas ao longo do tempo.
  3. descrever a relação do autor com as ferrovias, com o objetivo de destacar a importância cultural dos trens no contexto do progresso e do desenvolvimento econômico.
  4. resgatar memórias pessoais do autor, com o objetivo de estabelecer um vínculo emocional com o leitor e introduzir a reflexão crítica sobre o tema central do texto.

Resposta: D

Resolução: O autor parte de lembranças afetivas da infância para criar uma conexão emocional e, a partir disso, introduz sua crítica à precariedade da malha ferroviária brasileira.

55. (UFU 2025.2) Você quer ficar menos cansado, ter uma vida sexual mais ativa, prevenir e eliminar doenças, perder peso, definir o abdômen, melhorar o raciocínio… e, ufa, estender seus anos pela frente? É simples: tome hormônios. Ao menos é essa a solução prometida por médicos e outras figuras de jaleco em consultórios e redes sociais.

Esses profissionais vêm prescrevendo, dia após dia, esteroides anabolizantes e outras substâncias que nem sequer foram testados para os fins prometidos, especialmente a mulheres e homens depois dos 40 anos. O tratamento oferecido atende pelos nomes de “modulação hormonal”, “medicina antiaging” ou mesmo “reposição hormonal”, um termo sério que está sendo deturpado. [...]

Disponível em: https://saude.abril.com.br/. Acesso em: 25 jan. 2025.

No trecho, o uso da expressão em negrito contribui para a construção argumentativa do texto ao

  1. conferir um tom irônico, sugerindo que certos profissionais utilizam a aparência de autoridade científica para legitimar práticas de credibilidade duvidosa.
  2. destacar a presença de profissionais da área da saúde em diferentes contextos, como consultórios e redes sociais, enfatizando sua ampla influência sobre o público.
  3. fortalecer a percepção de que a prescrição de hormônios é amplamente aceita por diferentes categorias da área da saúde, consolidando sua legitimidade e respaldo científico.
  4. indicar um distanciamento crítico em relação a diferentes profissionais da saúde, legitimando a credibilidade de parte desses.

Resposta: A

Resolução: A expressão "figuras de jaleco" sugere uma ironia quanto à credibilidade desses profissionais, que usam a aparência de cientificidade para divulgar práticas não comprovadas.

56. (UFU 2025.2) Ao receber um prêmio durante o Festival de Cinema de San Sebastián, a atriz australiana Cate Blanchett citou, em seu discurso, um trecho da crônica “Diálogo do Desconhecido”, publicada na coletânea “A Descoberta do Mundo” (1984), da escritora brasileira Clarice Lispector, conforme transcrição da CNN Brasil: “Vivemos em tempos incertos e busco coragem em Clarice Lispector, uma autora brasileira que é um gênio em absoluto. Tenho lido o trabalho dela recentemente. Ela diz: ‘Existem certas vantagens em não saber. Como um território virgem, a mente está livre de equívocos. Tudo o que não conheço constitui a maior parte de mim: esta é a minha dádiva. E com esse não saber, eu entendo tudo’. Vivo com esperança, a jornada continua. Só existem ilhas de certezas. Então, muito obrigada por esta pequena ilha de certeza esta noite”.

Disponível em: https://cnnbrasil.com.br/. Acesso em: 06 jan. 2025.

O discurso de Cate Blanchett estabelece uma relação intertextual com o texto literário de Clarice Lispector. Com base nessa intertextualidade, é INCORRETO afirmar que

  1. a metáfora “ilhas de certezas”, presente no discurso de Cate Blanchett, dialoga com o texto de Clarice Lispector ao sugerir que, em meio à vastidão do desconhecido, as certezas são limitadas e pontuais na experiência humana.
  2. a incerteza, conforme abordada no discurso de Cate Blanchett e no texto de Clarice Lispector, é valorizada como um elemento que estimula a curiosidade e a busca por novos significados, promovendo o crescimento pessoal.
  3. o desconhecido, tanto no discurso de Cate Blanchett quanto no texto de Clarice Lispector, é apresentado como uma condição inerente à existência humana, que deve ser enfrentada na busca por autoconhecimento e estabilidade emocional.
  4. o diálogo entre o discurso de Cate Blanchett e o texto de Clarice Lispector evidencia que o desconhecido é um aspecto da experiência humana que contribui para o processo de descoberta e autoconhecimento

Resposta: C

Resolução: A alternativa C é incorreta porque Clarice valoriza o desconhecido como potência e liberdade, não como algo a ser "enfrentado" para alcançar estabilidade emocional, o que desloca o sentido original da metáfora lispectoriana.