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Inconfidência Mineira

Conjuração Mineira

Mapa contábil do rendimento das Casas de Fundição, para onde os mineradores eram obrigados a mandar o ouro. Capitania das Minas Gerais, século XVIII. Domínio público, Arquivo Histórico Ultramarino

Antecedentes

Entre 1740 e 1780, a produção do ouro de aluvião das Minas caiu de mais de 20 toneladas para cerca de 8 toneladas. Em 1760, já se tinha instalado a crise do ouro das minas brasileiras. Em Lisboa, a preocupação e o descontentamento eram grandes. O governo português entendia ser função de qualquer capitania colonial alimentar o Tesouro, equilibrando suas finanças e sua economia.

Alguns dos responsáveis pela administração metropolitana desejavam a cobrança do quinto como forma de manter a riqueza oriunda da arrecadação do ouro. Em meados do século XVIII, Alexandre de Gusmão, secretário de D. João V, recriminou o governo português por "correr ignorante" na direção de uma riqueza que entendia imaginária.

O Eldorado encontrado terra adentro, motivo da cobiça dos homens e de suas aventuras nos sertões da América portuguesa, já não existia. Os mineradores não conseguiam produzir o suficiente para aplacar a voracidade do fisco metropolitano. O governo interpretava o fato como fraude, atribuindo aos mineradores a sonegação e o contrabando do ouro. Na realidade, eles empobreciam e acumulavam dívidas.

Por outro lado, as autoridades passavam a cobrar os tributos com mais rigor. As derramas, cobranças forçadas dos atrasados para a Fazenda Real, ocorridas em 1762 e 1768, são um exemplo do que ocorria. As autoridades exigiam, também, uma quantidade de ouro e diamantes cada vez maior. O desassossego e a intranquilidade dos colonos cresciam, enquanto as bateias seguiam rodando sem parar.

Mineiros lavam o ouro sob a atenta vigilância de funcionários da Coroa. Gravura do livro Travels in the Interior of Brazil in the Years 1817-1820, de Spix e von Martius, publicado em 1824

Mesmo a distância, os olhos vigilantes da Coroa procuravam, por meio da Intendência das Minas, fiscalizar, controlar e, sobretudo, manter o recolhimento dos tributos. Entretanto, apesar de todo o esforço, as saídas ilegais do ouro e dos diamantes das minas – o contrabando – continuavam.

Documentos oficiais dessa época informavam às autoridades portuguesas que muitas partidas de diamantes, oriundas do Arraial do Tijuco, iam parar na Holanda, levadas por frotas que partiam do Rio de Janeiro.

Esses desvios causavam escândalos. Envolviam grupos de mineiros considerados fora da lei, "garimpeiros" associados a comerciantes ambulantes, "capangueiros" e até mesmo funcionários das Minas, que, inúmeras vezes, contavam com a conivência dos contratadores nomeados pelo rei. O governo português sentia-se traído, entendendo que era preciso punir os culpados e que as masmorras, os degredos e as forcas existiam para isso.

Outros fatores contribuíam para acelerar a decadência da capitania: as despesas crescentes com artigos de importação, especialmente após o Alvará de 1785, de D. Maria I, proibindo a instalação de qualquer indústria na colônia; as técnicas inadequadas e predatórias utilizadas nas lavras de ouro; e o saque ávido e constante de Portugal, apoderando-se de toda a produção do ouro. Além disso, os mineiros não retinham para si o excesso de sua produção e não investiam na economia local, para diversificar as atividades econômicas.

Ao lado desses fatos, havia a suspeita, praticamente confirmada, de que o governo se preparava para executar uma nova derrama, em 1788 ou 1789. Essa conturbada situação interna coincidiu com o desmoronamento do sistema colonial mercantilista na Europa, a partir do desenvolvimento da Revolução Industrial. Revolução que provocou uma profunda transformação econômica nas potências da época e, consequentemente, na relação com suas colônias.

Planta, de 1732, do Arraial do Sumidouro (atual cidade de Pedro Leopoldo), fundado pelo bandeirante Fernão Dias Paes por volta de 1675. Domínio público, Arquivo Histórico Ultramarino

Conjuração Mineira: A Conspiração

A Mais Importante das Reuniões dos Conjurados, quando decidiram o melhor momento para conflagrar o movimento. Estudo em óleo sobre tela (40 x 58 cm) de Pedro Américo, 1892-1893. Domínio público, Coleção Gianpolo Figueiredo Montesi

Para as autoridades do governo, essas "infames ideias francesas" na colônia serviam apenas para incentivar críticas às relações coloniais. No burburinho dos centros urbanos das Gerais, em meio às liteiras douradas, luminárias, capelas e procissões luxuosas – falso fausto –, no atropelo de gente que chegava e que passava, vislumbravam-se pelas frestas das grossas portas muitas luzes acesas nas casas.

Nelas, centros de atividades literárias, nasceu a elite rica e letrada de brancos brasileiros, representantes do caráter dessa sociedade. Nelas, conversas e intrigas entrelaçadas entravam pela noite em trama surda. Conspirava-se contra o governo...

Tiradentes

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, não pertencia ao grupo social da maioria dos conjurados, conhecido como os "Grandes" da sociedade mineradora. Com 11 anos, perdeu seus pais, pequenos fazendeiros, passando a viver com seu padrinho, um dentista que o iniciou na profissão, daí o apelido de Tiradentes.

Não teve estudos formais e trabalhou duro para garantir sua sobrevivência. Exerceu várias profissões: dentista, tropeiro, minerador e comerciante, até ingressar na carreira militar, onde chegou a alferes, posto hoje equivalente a segundo-tenente do Exército.

Para o historiador Edgard Luiz de Barros, "foi exatamente ele o grande agitador da revolução na conturbada Minas Gerais do final do século XVIII. Um decidido e corajoso propagandista (...) de Minas independente, republicana e autossuficiente (....) Não tinha nenhum poder, visto que sua riqueza era inexistente, não foi um grande poeta, ou um grande teórico, nem conhecia profundamente as obras clássicas de sua época, mas era possivelmente o único, dentre todos os conspiradores da Inconfidência Mineira, que possuía as qualidades de grande agitador, as condições para ser um líder popular expressivo, capaz de levantar o povo e levá-lo à insurreição".

A casa onde os inconfidentes mineiros se reuniam em Vila Rica. Portal Ouro Preto. Uso amparado pela Lei 9610/98

Estopim do movimento

O estopim do movimento foi a chegada do novo governador da capitania das Minas Gerais, o Visconde de Barbacena, em julho de 1788, com instruções detalhadas da metrópole para implementar uma ampla e profunda reforma em todo o sistema tributário. Barbacena insistiu na imposição da derrama no início de 1789, e anulou todos os contratos anteriores.

Os líderes da Conjuração, diante das ações do novo governador, conspiravam, mais uma vez, para formalizar os planos de um levante armado contra a Coroa portuguesa. Traçavam vários objetivos: transformar a capitania das Minas Gerais em uma República, com capital em São João d'El Rei; fazer de Vila Rica uma cidade universitária; instalar um parlamento em cada cidade, subordinado ao parlamento da capital; implantar manufaturas, bem como explorar depósitos de ferro e de minério; construir uma fábrica de pólvora.

Além disso, admitiam o recolhimento dos dízimos pelos padres das paróquias, desde que mantivessem professores, hospitais e casas de caridade, o que para Maxwell já sugere a ideia de uma separação entre Igreja e Estado.

Uma vez conquistado o poder e instaurado o novo regime político, caberia a Tomás Antônio Gonzaga exercê-lo por três anos, findos os quais seriam instituídas eleições anuais.

As dívidas com a Coroa seriam imediatamente perdoadas, ou seja, as dívidas externas não seriam pagas. De maneira geral, havia concordância entre os conjurados em relação a assuntos que não alterassem a estrutura socioeconômica e que, principalmente, mantivessem intocáveis as questões referentes à escravidão e à propriedade.

A Prisão de Tiradentes, ocorrida no Rio de Janeiro, em 10 de maio de 1789. Óleo sobre tela (180 x 220 cm) de Antônio Parreiras, 1914. Domínio público, Museu Júlio de Castilhos

No encontro dos líderes da Conjuração, ficou decidido o momento mais acertado para deflagrar o movimento: no lançamento da derrama, previsto para fevereiro de 1789. A senha para os conspiradores era "hoje é o dia do batizado". O movimento começaria com um tumulto em Vila Rica, provocado por Tiradentes, auxiliado por alguns grupos com armas escondidas debaixo dos casacos.

Quando o governo convocasse os dragões para impor a ordem, eles seriam retardados por seu chefe, o tenente-coronel Freire de Andrade, enquanto aguardavam Tiradentes ir à residência do governador Barbacena, matá-lo e voltar com sua cabeça na mão. Nesse momento, Freire de Andrade perguntaria à multidão o que pretendia com o tumulto.

Tiradentes, então, bradaria: "Liberdade!". Com a cidade controlada pelos revoltosos e defendida pelos dragões de Freire de Andrade, seria proclamada a República e lida a declaração de independência.

Conjuração Mineira: A Reação da Coroa

Autos que descrevem a delação de Joaquim Silvério dos Reis e o interrogatório feito a Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes –, o primeiro conjurado a ser preso. Domínio público, Biblioteca Nacional Digital

Os dias passavam e o governador não impunha a derrama como era esperado. A tensão aumentava entre os conjurados. A própria população sentia que algo grave estava para acontecer. Os planos dos conjurados se desarticulavam, e eles passavam a pensar no que Barbacena poderia estar sabendo e tramando contra eles. Cada um cuidou de se proteger, com receio de alguma ação intempestiva do governo. Tiradentes, por sua vez, impaciente com a espera, partiu para o Rio de Janeiro a fim de sondar seus colegas de farda sobre a possibilidade de adesão.

Ao mesmo tempo, em Vila Rica, o movimento foi denunciado ao governador, em 15 de março, por um dos conjurados, Joaquim Silvério dos Reis, esperando trocar o perdão das suas dívidas pelas "cabeças" dos companheiros. Uma semana depois da denúncia, Barbacena suspendeu oficialmente a derrama, acabando com o motivo do levante, e mandou prender todos os acusados.

Tiradentes foi o primeiro a ser preso, ainda no Rio de Janeiro, em 10 de maio de 1789. Em pouco tempo, os outros encontravam-se aprisionados, sem que as tropas precisassem disparar um só tiro. Todos foram mandados, em pequenos grupos, para o Rio de Janeiro, onde, por ordem do vice-rei D. Luís de Vasconcelos, já havia sido aberto um processo judicial (devassa) contra eles.

A Jornada dos Mártires. Óleo sobre tela (200 x 321 cm) de Antônio Parreiras que retrata a passagem dos conjurados pelo povoado de Nossa Senhora da Conceição de Matias Barbosa, nas proximidades de Juiz de Fora (MG), 1928. Domínio público, Museu Mariano Procópio

Os conjurados permaneceram no Rio de Janeiro todo o tempo do julgamento, quase dois anos, e depois de presos só se viram uma única vez, na leitura das sentenças. Isolados em cárceres imundos, mínimos e escuros, os réus, em seus depoimentos, tentaram minimizar suas ações no movimento.

Colocaram a maior parte da culpa em Tiradentes, que assumiu toda a responsabilidade. Em Vila Rica, o governador Barbacena tratou de excluir da relação de acusados os nomes de alguns conspiradores, que conseguiram "comprar" sua proteção.

O processo judicial acusou 34 pessoas, sendo cinco membros da Igreja Católica. Três já haviam falecido devido aos maus-tratos e às más condições das prisões. Significativo é o caso do poeta Cláudio Manuel da Costa, encontrado morto em sua cela, tendo sido o fato explicado como suicídio. Dias antes, o poeta havia prestado um longo depoimento, apontando como implicados no movimento os homens que Barbacena protegia.

Dos 11 réus condenados à morte, dez tiveram a pena comutada para degredo na África. Só Tiradentes teve sua pena mantida. Os cinco réus da Igreja foram levados para as prisões de Lisboa, onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas comutadas. Os padres Oliveira Rolim, Luís Vieira da Silva e Manuel Rodrigues da Costa conseguiram retornar ao Brasil, onde ainda gozaram de prestígio e influência.

Os demais acusados cumpriram penas variadas nas diversas colônias portuguesas na África. Alguns morreram pouco tempo depois, já bastante doentes e alquebrados, em consequência dos maus-tratos sofridos nos cárceres brasileiros e das saudades da terra e da família.

Alguns obtiveram sucesso em suas atividades na África. O poeta Tomás Antônio Gonzaga enriqueceu em Moçambique. Uns poucos puderam retornar ao Brasil, como José de Rezende Costa, o filho, que ainda exerceu importante cargo público em Minas Gerais, além de atividades parlamentares no Rio de Janeiro.

A execução de Tiradentes no dia 21 de abril de 1792. Gravura feita a partir de apontamentos do Barão Homem de Mello, publicada na Revista Illustrada de 29 de abril de 1892. Domínio público

A sentença de Tiradentes o condenou à morte na forca, segundo um ritual cumprido à risca. Seguindo a pé pelas ruas do Rio até o local da forca, depois de morto teve sua cabeça cortada e levada a Vila Rica, onde foi afixada num lugar bem alto e visível, ficando lá até que o tempo a consumiu. Teve o corpo partido em quatro partes pregadas em postes, ao longo do caminho de Minas, local de seus "atos infames".

Ele, seus filhos e netos, caso os tivesse, foram declarados infames, determinando-se que os seus bens revertessem para o Fisco e para a Câmara Real. Quanto à casa em que viveu em Vila Rica, se fosse sua, seria derrubada e o terreno, salgado, para que nunca mais nada fosse erguido sobre ele; caso contrário, após avaliada, seus donos seriam indenizados em dinheiro, e a casa também seria destruída. O enforcamento aconteceu no Rio de Janeiro, no dia 21 de abril de 1792.